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A desjudicialização das garantias fiduciárias sobre bens móveis

Publicado em 03/09/2025
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O provimento 196/25, introduziu um novo mecanismo de demanda para agilizar a recuperação de créditos garantidos pela cláusula de alienação fiduciária prevista no decreto 911/1969.

O CNJ tem promovido iniciativas para transferir procedimentos antes sob a exclusiva competência do Poder Judiciário, para esferas administrativas, preservando o acesso à justiça sem comprometer a eficiência. Tal medida visa permitir ao referido judiciário concentrar-se em temas relevantes, a visar entregar a tutela jurisdicional ao cidadão com o menor espaço de tempo possível. Nesse contexto, o provimento 196, editado em junho de 2025, exemplifica essa tendência ao regulamentar a execução extrajudicial de alienações fiduciárias incidentes sobre bens móveis, alterando o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça - Parte Extrajudicial, e introduzindo um novo mecanismo de demanda para agilizar a recuperação de créditos garantidos pela cláusula de alienação fiduciária prevista no decreto 911/1969, com as alterações introduzidas pela lei 14.711/23, especialmente no que tange aos bens móveis. A atribuição, a partir da norma regulamentar trazida pelo provimento 196/25, passa a ser adotada pelos oficiais de RTD - Registro de Títulos e Documentos, que terão a missão de conduzir os procedimentos administrativos até a consolidação de propriedade e busca e apreensão, ressalvado o direito à impugnação e à purga da mora por parte do devedor fiduciante.

O contexto inovador trazido pelo referido provimento segue a trilha das alterações anteriores, e consolida o objetivo de fomentar um ambiente mais propício ao crédito, evitando-se, assim, demandas prolongadas com temas recorrentes e simples.

2. Conceitos essenciais da alienação fiduciária em bens móveis

A alienação fiduciária configura-se como um contrato de garantia em que o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel de um bem móvel, retendo a posse direta até o adimplemento da obrigação. Nada difere, portanto, da alienação fiduciária de bens imóveis, alterando-se apenas os normativos especiais sobre o tema, pois, no caso dos bens móveis, a referida garantia encontra respaldo no decreto-lei 911/1969, que disciplina de forma específica os procedimentos de constituição e excussão da garantia, notadamente a busca e apreensão. Já em relação aos bens imóveis, a matéria está regulada pela lei 9.514/1997, que instituiu a alienação fiduciária no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário, introduzindo regras próprias quanto à execução extrajudicial e à consolidação da propriedade.

Os bens suscetíveis incluem itens infungíveis como automóveis, maquinário industrial e bens de consumo duráveis identificáveis individualmente. A constituição da garantia segue a normativa traduzida no mencionado decreto, que especifica detalhes como descrição do bem, valor da dívida, prazos de pagamento, juros e procedimentos para mora e venda. A necessária e obrigatória clareza das informações é medida que se impõe, a fim de evitar abusos, assegurando que o devedor esteja ciente das consequências do inadimplemento.

3. Os procedimentos extrajudiciais: Da iniciação à execução

A tramitação processual, antes atividade exclusiva do Poder Judiciário, agora também é compartilhada com os oficiais do RTD - Registro de Títulos e Documentos, e inicia-se com o requerimento do credor ao RTD competente, definido pelo domicílio do devedor ou localização inicial do bem. Referido requerimento pode ser efetuado preferencialmente pelo meio eletrônico, e deve incluir prova de mora, como notificação extrajudicial ou mesmo o protesto do título inadimplido, além da planilha de evolução da dívida e instruções para pagamento ou entrega voluntária do bem, concedendo-se, para tanto, ao devedor fiduciante, o prazo de 20 dias.

O direito ao contraditório é garantido, e limita-se a aspectos pontuais, como, por exemplo, erros de cálculo ou pagamentos omitidos. A impugnação exige comprovação documental e depósito da quantia incontroversa, promovendo uma resolução administrativa rápida. Uma vez rejeitada a impugnação, prossegue-se à consolidação da propriedade, com possibilidade de busca e apreensão se o bem não for entregue voluntariamente.

A diligência de apreensão, realizada pelo oficial de RTD, é não coercitiva e limitada a locais acessíveis, promovendo-se a publicidade dos atos para transparência. Apreendido o bem, o devedor tem cinco dias para reverter a consolidação pagando integralmente o débito, além dos consectários administrativos. Não efetuado o pagamento, estará o credor autorizado a vender o bem, aplicando o produto da venda para quitar a dívida contraída, restituindo eventual excedente.

4. Integração tecnológica e sistemas de gestão. Impactos econômicos e no mercado de crédito

O Sistema Eletrônico dos Registros Públicos absorverá o sistema eletrônico nacional operado pela Central RTDPJ Brasil, que terá o papel fundamental de gerenciar todo o ciclo, ou seja, do protocolo ao agendamento de diligências, passando por notificações automáticas e pagamentos digitais, acelerando os trâmites e permitindo rastreamento em tempo real.

A inadimplência figura como elemento determinante na formação do spread bancário, refletindo-se diretamente no encarecimento do crédito. Os mecanismos de extrajudicialização introduzidos no ordenamento jurídico a partir da segunda metade da década de 1990 não se mostraram aptos a produzir a anunciada redução das taxas de juros, limitando-se a assegurar maior celeridade e eficiência na consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário. Tal constatação, contudo, não afasta a legitimidade de que o agente financiador disponha de instrumentos jurídicos que lhe garantam segurança na operação, seja mediante a transferência da propriedade resolúvel do bem, seja pela perspectiva de retomada célere do objeto da garantia, desde que em conformidade com os princípios de justiça contratual e proporcionalidade.

Com otimismo, espera-se efeitos como expansão da oferta de crédito, juros mais baixos e fortalecimento do setor financeiro. Já em relação ao Poder Judiciário, representa alívio, com estimativas de centenas de milhares de ações migrarem, em um primeiro momento, para a via administrativa, liberando tempo ao juízo para deter-se em controvérsias mais complexas.

Aos delegatários impõe-se o desafio de implementar o novo procedimento com adequada capacitação e organização, tendo em vista que a operacionalização implicará desembolso financeiro por parte dos envolvidos. Em contrapartida, a prestação do serviço deve assegurar celeridade e eficiência na entrega da tutela administrativa, de modo a justificar o ônus suportado pelo jurisdicionado no âmbito extrajudicial.

5. Conclusão

O provimento CNJ 196/25 insere-se na trajetória de êxito dos mecanismos de desjudicialização já consolidados, ao privilegiar soluções administrativas voltadas à celeridade e ao suporte tecnológico. A iniciativa busca mitigar a expressiva demanda de pedidos de busca e apreensão de bens móveis, promovendo um ambiente mais dinâmico e racional. Ao mesmo tempo, oferece aos operadores do Direito a oportunidade de adotar instrumentos práticos, mais eficientes e acessíveis. Resta, contudo, acompanhar sua aplicação concreta para verificar se a inovação corresponderá à expectativa de um sistema de crédito mais sólido e equitativo, capaz de refletir não apenas na redução da sobrecarga do Poder Judiciário, mas também na efetiva concessão de crédito em condições mais justas ao cidadão, em contrapartida ao esforço legislativo empreendido.

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Referências

Brasil. Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969.

Brasil. Lei nº 14.711, de 30 de outubro de 2023.

Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 196, de 4 de junho de 2025.

Fonte: Migalhas