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A questão da dispensa de certidões tributárias para a prática de atos notariais e registrais imobiliários
Publicado em 26/11/2025
No PCA - Procedimento de Controle Administrativo 0001611-12.2023.2.00.0000, oriundo do Paraná, de relatoria do conselheiro Marcello Terto, cujo julgamento se deu em 15/8/2025, o CNJ firmou a seguinte tese:
"É vedado aos Tribunais, às Corregedorias-Gerais de Justiça e às serventias extrajudiciais exigir a apresentação de certidões negativas de débitos tributários - federais, estaduais ou municipais - como condição à lavratura, registro ou averbação de escritura pública de compra e venda de imóvel, por configurar sanção política tributária, em afronta à jurisprudência do STF e do CNJ. Nada impede, porém, que se imponha a exigência de certidões, ainda que positivas, a título de informativo, de transparência, de segurança e de eficácia jurídica do negócio escriturado ou registrado perante terceiros, especialmente a Administração Tributária."
O motivo da fixação dessa tese é porque diversas leis e normas infralegais, mais especificamente os arts. 47 e 48 da lei 8.212/1991, condicionam a prática de atos de constituição, transmissão e modificação de direitos reais imobiliários à prévia comprovação de regularidade fiscal do transmitente, relativamente a tributos sobre o imóvel e outros tributos sem qualquer vinculação direta com o negócio jurídico objeto do ato notarial ou registral a ser praticado.
As referências jurisprudenciais e normativas utilizadas pelo CNJ no referido julgado foram as seguintes:
- STF, ADI 394/DF, rel. min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 25/9/2008.
- STF, ARE 914.045 RG, rel. min. Edson Fachin, julgado em 15/10/2015.
- STF, súmulas 70, 323 e 547.
- CNJ, PP 0001230-82.2015.2.00.0000, rel. min. João Otávio de Noronha, 28ª Sessão Virtual, julgado em 11/10/2017.
- CNJ, Recurso Administrativo no PP 0001230-82.2015.2.00.0000, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, 92ª Sessão Virtual, julgado em 10/9/2021.
- Conselho Nacional de Justiça, PCA 0010545-61.2020.2.00.0000, rel. cons. Jane Granzoto, 104ª Sessão Virtual, julgado em 29/4/2022.
- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, incisos XXXV e LIV; art. 22, XXV; e art. 170, parágrafo único.
- Lei 8.212/1991, art. 47, I, "b".
- Lei 7.711/1988 (revogada parcialmente).
- Provimento 314/22-CGJ/PR.
Considerando a competência constitucionalmente estabelecida para o CNJ, nos termos do §1º do art. 236 combinado com o inciso I-A e §4º do art. 92 da Carta Magna, segundo a qual compete ao referido órgão o controle da atuação e legalidade dos atos administrativos praticados por todos os órgãos do Poder Judiciário, inclusive seus serviços auxiliares, prestadores de serviços notariais e de registro, entendemos que a tese fixada no supracitado PCA tem natureza cogente para todos os tribunais, corregedorias-gerais e serventias extrajudiciais do país, inobstante ter sido originada em procedimento de controle administrativo de ato do Judiciário paranaense, afastando peremptoriamente a incidência das normas estabelecidas nos arts. 47 e 48 da lei 8.212/1991 e todas as demais normas com o mesmo teor e objetivo.
Todavia, a aplicação dessa tese na atividade notarial (tabelionato de notas) é diferente da aplicação na atividade registral (registro de imóveis), isso porque são serviços de naturezas distintas, apesar de correlatos e complementares.
De maneira simplificada, objetivando apenas tratar do tema proposto, que é a dispensa das certidões tributárias para a prática de atos notariais e registrais imobiliários, é certo dizer que o notário ou tabelião tem a função de assessorar as partes do negócio imobiliário, a fim de que possam manifestar suas vontades de forma esclarecida e livre, lavrando o competente e hígido instrumento contratual (escritura pública), conferindo segurança jurídica ao direito em movimento (segurança jurídica dinâmica).
Nesse mister de dar segurança ao tráfico jurídico imobiliário, o notário deve ter o cuidado para que nulidades não se aninhem no instrumento lavrado, assim como deve esclarecer e orientar as partes a respeito de possíveis anulabilidades ou ineficácias que poderiam fragilizar a transação, caso algumas situações ou circunstâncias estejam presentes.
Como bem alertado no voto-vogal do min. Mauro Campbell Marques no referido PCA, deve o notário recomendar às partes contratantes, especialmente o adquirente do direito imobiliário transacionado, que sejam apresentadas as certidões tributárias em nome do transmitente, em observância aos princípios da boa-fé objetiva e segurança jurídica, pois caso haja débito tributário inscrito em dívida ativa em nome do transmitente o negócio pode ser considerado fraude à execução fiscal, tornando-o ineficaz perante o ente público credor.
Entretanto, é importante ressaltar que a existência de dívida tributária em nome do transmitente não invalida a transação, apenas pode torná-la ineficaz perante o erário, caso o respectivo ente fiscal demonstre que a transmissão ou constituição do direito sobre o imóvel acarretou a insolvência do devedor transmitente. É o que diz o art. 185 do Código Tributário Nacional, com redação dada pela LC 118/05. Por isso que o negócio imobiliário não pode ser impedido caso não sejam apresentadas as certidões tributárias do transmitente, ou quando estas forem positivas. O negócio jurídico celebrado nessas condições não será nulo nem anulável, será válido. Todavia, se demonstrados os requisitos fáticos do art. 185 do CTN, o negócio não terá eficácia apenas e tão somente com relação ao fisco credor do alienante. Nesse diapasão, não há motivo jurídico para que se proíba a celebração da transação imobiliária, pois o fisco permanecerá com a possibilidade de excutir a propriedade para pagamento do tributo, mesmo que ela esteja nas mãos de terceiro.
Por outro lado, o adquirente deve ter consciência dos riscos do contrato celebrado com a dispensa das certidões ou quando elas forem positivas. Essa função de informar e assessorar sobre os riscos da ineficácia do contrato perante o fisco deve ser exercida pelo notário, antes de lavrar o instrumento negocial. Uma vez orientadas as partes, especialmente o adquirente, e mesmo assim persistindo a vontade consciente de celebrarem o negócio, o notário deverá lavrar o competente instrumento público. Nesse caso, é recomendável e salutar que conste da escritura a dispensa das certidões pelo adquirente ou a existência de certidões positivas, conforme o caso, com o alerta do tabelião a respeito das possíveis consequências adversas, demonstrando assim o devido exercício da função notarial. Nisso consiste a aplicação pelo notário da tese fixada pelo CNJ no PCA em referência.
Parte-se, então, para a análise da aplicação da tese do CNJ pelo registrador imobiliário.
Uma vez celebrado o negócio jurídico de constituição, transmissão, modificação ou extinção do direito imobiliário com a dispensa das certidões tributárias ou apresentação de certidões positivas ou mesmo sendo omisso o instrumento contratual com relação a tais certidões, é certo que o registrador não poderá impedir o registro do título, pois ele é plenamente válido, na esteira dos precedentes acima elencados, independentemente de o negócio ter sido formalizado por notário ou não.
Caberá ao fisco, se for o caso, demonstrar a existência dos pressupostos fáticos da fraude à execução fiscal, na forma do art. 185 do CTN, pleitear a declaração judicial da fraude, e, consequentemente, a ineficácia da alienação, para em seguida penhorar a propriedade do imóvel pertencente ao terceiro adquirente, o qual, querendo, poderá inclusive pagar a dívida do antigo proprietário e seguir como proprietário pleno do imóvel, provando que a declaração de fraude à execução não anula ou invalida o negócio jurídico.
Percebe-se, portanto, que a alienação da propriedade ou qualquer direito real imobiliário com conteúdo econômico pelo devedor tributário não impede que o fisco satisfaça seu crédito com a excussão do direito alienado, independentemente de quem seja seu atual titular, desde que se comprove a fraude à execução. É por isso que o notário deve orientar e informar as partes a respeito da dispensa das certidões e suas consequências, mas não pode exigir sua apresentação. Com muito mais razão, uma vez lavrado ou celebrado o ato translativo do direito, não há fundamento algum para que o registrador exija as certidões.
De fato, conforme deixou claro o CNJ, o registrador não pode exigir a apresentação de certidões negativas ou positivas de débitos tributários para registrar ou averbar qualquer ato ou negócio jurídico imobiliário, salvo duas exceções que trataremos mais adiante.
Assim, como regra, para se registrar um título de compra e venda, hipoteca, alienação fiduciária, partilha de inventário ou dissolução de sociedade conjugal/união estável, promessa de compra e venda, instituição de usufruto, instituição ou transmissão de superfície e outros títulos de constituição ou transmissão de qualquer direito sobre imóvel, o registrador não deve exigir certidões como: IPTU, ITR, CND da Receita Federal e INSS, CND do INSS de obra de construção civil, CND do IBAMA, enfim, qualquer outra certidão tributária. Por óbvio, caso sejam apresentadas essas certidões, negativas ou positivas, isso não deverá influenciar a qualificação do título.
Antes mesmo da decisão do CNJ, alguns Códigos de Normas do Serviço Extrajudicial de alguns estados, como é o caso de Goiás, já autorizavam o adquirente de direitos imobiliários a dispensar todas as certidões fiscais de natureza municipal, estadual e federal do transmitente pessoa física ou jurídica, assumindo eventual responsabilidade por débitos porventura existentes. E vamos falar a verdade, essa assunção de responsabilidade nem precisaria estar escrita, haja vista que o próprio regramento legal da fraude à execução fiscal impõe tal consequência, uma vez comprovados todos os requisitos da fraude. De qualquer forma, dispositivos normativos com tal conteúdo são interessantes para nortear a atividade do notário, mas dispensáveis para a atividade registral.
Trataremos agora das duas exceções à regra da dispensa das certidões tributárias para o registro de títulos no registro de imóveis. Tais exceções dizem respeito ao registro de memorial de parcelamento do solo (loteamento ou desmembramento) e registro de memorial de incorporação imobiliária, nos quais haverá a necessidade de apresentação de algumas certidões de cunho tributário. Não que a existência de débitos tributários vá impedir o registro do memorial, mas será necessário dar publicidade a esses débitos para que os pretensos adquirentes de lotes ou unidades autônomas nesses empreendimentos possam avaliar possíveis riscos na aquisição.
Em se tratando de registro de memorial de parcelamento do solo, sob qualquer de suas modalidades (loteamento ou desmembramento), de acordo com a alínea "a" do inciso III do art. 18 da lei 6.166/1979, faz-se necessária a apresentação da certidão negativa ou positiva de IPTU ou ITR do imóvel ou gleba loteada. A certidão deve compor o memorial, porém o fato de a certidão ser positiva não impedirá o registro, apenas deverá constar do ato registral a informação dessa certidão. O débito não impede o registo do parcelamento do solo, muito menos a alienação dos lotes.
No caso de registro de memorial de incorporação imobiliária, de acordo com a alínea "b" do art. 32 da lei 4.591/1964, faz-se necessária a apresentação das seguintes certidões negativas ou positivas em nome do incorporador e do proprietário e/ou promitente comprador/cessionário do terreno: 1) Certidão da Receita Federal do Brasil; 2) Certidão da Fazenda Estadual; 3) Certidão da Fazenda Municipal. Precisará, ainda, ser apresentada a Certidão de IPTU do imóvel. As certidões devem compor o memorial, mas, de igual forma, elas poderão ser negativas ou positivas, devendo constar do registro a informação de todas as certidões que forem positivas. Aqui também o débito não impede o registo do memorial de incorporação, muito menos a alienação das unidades.
Não se pode olvidar, ainda, que a dispensa das certidões tributárias em negócios imobiliários é, muitas vezes, crucial para que o adquirente aceite celebrar o contrato, assumindo o valor da dívida como parte do pagamento do preço. Essa prática confere maior segurança ao adquirente e viabiliza de fato o recebimento do crédito tributário pelo erário.
Em última análise, a inexigibilidade de apresentação de certidões tributárias para celebração de negócios imobiliários está respaldada no ordenamento jurídico brasileiro, agora expressamente determinada pelo CNJ para que seja aplicada por tribunais, corregedorias e serviços extrajudiciais, constituindo fator facilitador de circulação de riqueza, gerando mais impostos e, por conseguinte, mais desenvolvimento econômico e social.
Fonte: Migalhas