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Consolidação da propriedade, leilão extrajudicial e a essencialidade da intimação pessoal do devedor

A intimação pessoal do devedor fiduciante é essencial para garantir o devido processo legal nos leilões extrajudiciais previstos na lei 9.514/97.

A alienação fiduciária consolidou-se como pilar do financiamento imobiliário brasileiro: enquanto a dívida não é quitada, a propriedade formal do bem permanece com o credor que, em caso de inadimplência, poderá consolidar a propriedade e promover o leilão extrajudicial do imóvel. Essa eficiência procedimental, embora vantajosa para o mercado, exige rigorosa observância de garantias fundamentais ao devedor. Nesse contexto, a lei 9.514/1997 estabelece um conjunto preciso de formalidades que o credor fiduciário deverá seguir, com destaque à necessidade de intimação pessoal do devedor fiduciante - requisito essencial que materializa, na esfera privada, o princípio constitucional do devido processo legal e representa a última oportunidade de o devedor evitar a perda definitiva do bem.

Com o advento das reformas introduzidas pela lei 13.465/17 e aprimoradas pelo marco legal das garantias (lei 14.711/23), o art. 26, §3º da lei da alienação fiduciária passou a exigir a intimação pessoal do devedor para a purgação da mora, requisito imprescindível à regularidade do procedimento extrajudicial de consolidação da propriedade.

  • O procedimento de consolidação da propriedade fiduciária
Para compreender a importância da intimação pessoal, é fundamental entender o procedimento de consolidação da propriedade fiduciária. Este processo inicia-se com a caracterização da mora do devedor fiduciante, conforme estabelece o art. 2 da lei 9.514/1997, "Vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário.".

Assim, após a caracterização da mora, o credor fiduciário deve providenciar a intimação do devedor para purgá-la no prazo de 15 dias. Esta intimação deve incluir o valor da prestação vencida e das que vencerem até a data do pagamento, juros convencionais, penalidades, encargos contratuais e demais informações que componham a dívida. A responsabilidade pela intimação é do oficial do registro de imóveis competente, que age a requerimento do credor fiduciário.

Não purgada a mora no prazo estabelecido, o oficial de registro de imóveis certificará este fato e promoverá a averbação da consolidação da propriedade em nome do fiduciário. Esta consolidação ocorrerá 30 dias após a expiração do prazo para a purgação da mora, mediante comprovação do pagamento do imposto de transmissão inter vivos (ITBI) e, se for o caso, do laudêmio.

Importante salientar que, após a consolidação da propriedade, o credor fiduciário não se torna proprietário definitivo do imóvel, sendo obrigado a promover leilão público para a alienação do bem, conforme estabelece o art. 27 da lei 9.514/1997.
  • Intimação do devedor fiduciante: Requisitos e formalidades
A intimação do devedor ocorrerá em dois momentos distintos e igualmente importantes, primeiro para a purgação da mora e, posteriormente, para informar sobre a data da realização do leilão extrajudicial. Ambas são cruciais para a preservação dos direitos do devedor.

Conforme o § 3º do art. 26, a intimação deve ser feita pessoalmente ao devedor, por preposto oficial do registro de imóveis, pelo correio com aviso de recebimento, ou por solicitação ao oficial de registro de títulos e documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.

Apenas quando o devedor não for encontrado, a intimação poderá ser feita por edital, publicado durante 3 dias, em um dos jornais de maior circulação do local.
  • O leilão extrajudicial: Procedimentos e garantias
Após a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário, inicia-se a fase do leilão extrajudicial. Conforme o art. 27 (redação dada pela lei 14.711/23), o fiduciário deve promover leilão público para alienação do imóvel no prazo de 60 dias, contados da data do registro da consolidação.

O procedimento prevê a realização de dois leilões, se necessário. No primeiro, o valor mínimo de lance é o valor do imóvel estipulado no contrato. Se não houver lance igual ou superior, realiza-se o segundo leilão, 15 dias após o primeiro, com valor mínimo correspondente à dívida, acrescida de despesas, prêmios de seguro, encargos legais e contribuições condominiais.

Durante o procedimento, o devedor mantém direitos importantes: (i) preferência na aquisição do imóvel pelo valor da dívida somado aos encargos e despesas, até a data do segundo leilão; e (ii) possibilidade de quitar a dívida até a data do segundo leilão, mediante pagamento da totalidade dos débitos e encargos, hipótese em que o bem lhe será restituído livre do ônus da propriedade fiduciária.

Se no segundo leilão não houver lance que atenda ao valor mínimo estabelecido, a dívida será considerada extinta, com recíproca quitação, e o credor ficará investido da livre disponibilidade do imóvel. Por outro lado, se houver saldo excedente após a venda, o valor será entregue ao devedor fiduciante.
  • A jurisprudência e a exigência de intimação pessoal
Diante da complexidade desses procedimentos e dos direitos em jogo, compreende-se a importância da intimação pessoal do devedor em todas as etapas. É nesse contexto que a jurisprudência dos tribunais superiores tem se consolidado, reforçando a necessidade de comunicação efetiva com o devedor, especialmente quanto à realização do leilão extrajudicial, momento crítico em que pode exercer seus direitos remanescentes ou tomar providências para minimizar prejuízos.

Assim, em interpretação sistemática da letra legal, o STJ consolidou entendimento no sentido de estender essa exigência ao momento subsequente, obrigando o credor a notificar pessoalmente o fiduciante sobre a data do leilão extrajudicial. Posicionamento esse corroborado na decisão do AgInt no AREsp 1.876.057 CE 2021/0110808-3, sob a argumentação de que "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial".1

Ainda, em 2018, ao julgar o AgInt no AREsp 1.286.812 SP 2018/0101380-9, o STJ enfatizou que, há muito, o entendimento pela necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da realização do leilão judicial estaria consolidado.2

Ademais, espelhando-se no art. 256 do CPC, jurisprudência recente enfatiza que a intimação por edital só é legítima depois de esgotadas as tentativas de localização direta do devedor. Nesse sentido, tem se consubstanciado, ainda, entendimento de que a intimação por correio eletrônico não supre a necessidade de realização da notificação pessoal, tornando-a instrumento passível de trazer nulidade à eventual arrematação.

Alicerçado nesse entendimento, o TJ/RJ, ao julgar o agravo de instrumento 0062939-11.2023.8.19-0000, dá provimento ao recurso, onde alega ser "pacífica a jurisprudência no sentido de necessidade de intimação pessoal do devedor acerca dos leilões. Agravada que sustenta a validade da intimação apenas por meio eletrônico. Nulidade devidamente reconhecida."3.

Observa-se, portanto, que a regra dialoga com o princípio do devido processo legal em suas duas frentes. No plano procedimental, assegura-se o contraditório mínimo: o fiduciante, transformado em ex-proprietário pela consolidação, conserva interesse legítimo em acompanhar a avaliação, oferecer lances, negociar com terceiros ou até purgar a mora de última hora. No plano substancial, a medida impede que um bem de elevado valor social - normalmente a moradia - seja transferido por preço vil, situação que desequilibra todo o ecossistema de garantias e fomenta litígios futuros.

Sob a ótica da segurança jurídica, essa exigência não protege apenas o devedor: ela reduz o risco de anulação do ato, resguarda o arrematante de boa-fé e racionaliza o custo do crédito, evitando contendas que culminam no aumento do custo do financiamento para a coletividade.

Em suma, a intimação pessoal do devedor vai além da formalidade. Em verdade, reflete equilíbrio entre celeridade e justiça, garantindo a eficácia do contrato sem afrontar direitos fundamentais e, sobretudo, concretiza o comando constitucional segundo o qual ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF). Afinal, mesmo na condição de ex-proprietário, o fiduciante segue sujeito aos efeitos patrimoniais do leilão. Dar-lhe ciência inequívoca dos atos é, portanto, condição essencial para o pleno exercício de seus direitos, contribuindo para um mercado de garantias sólido e confiável.

___________

1 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. LEI 9 .514/97. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEVEDORA FIDUCIANTE. NULIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/1997" (AgInt no AREsp 1.678.642/SP, Rel . Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, DJe de 09/03/2021). 2. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial. (STJ - AgInt no AREsp: 1876057 CE 2021/0110808-3, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 17/10/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/11/2023)

2 AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CONSIGNATÓRIA CUMULADA COM ANULATÓRIA DE ATO DE CONSOLIDAÇÃO DE PROPRIEDADE. LEI Nº 9.514/1997 . ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. DEVEDOR FIDUCIANTE. NOTIFICAÇÃO PESSOAL . NECESSIDADE. CREDOR FIDUCIÁRIO. CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE. PURGAÇÃO DA MORA . POSSIBILIDADE. DECRETO-LEI Nº 70/1966. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. 1 . Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A teor do que dispõe o artigo 39 da Lei nº 9.514/1997, aplicam-se as disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/1966 às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere a Lei nº 9 .514/1997. 3. No âmbito do Decreto-Lei nº 70/1966, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/1997 . 4. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de ser possível a purga da mora em contrato de alienação fiduciária de bem imóvel (Lei nº 9.514/1997) quando já consolidada a propriedade em nome do credor fiduciário. A purgação da mora é cabível até a assinatura do auto de arrematação, desde que cumpridas todas as exigências previstas no art . 34 do Decreto-Lei nº 70/1966. 5. Rever as conclusões do acórdão recorrido de que a intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial não foi comprovada e que houve a purgação da mora antes do auto de arrematação demandaria o reexame de matéria fática e a interpretação de cláusula contratual, procedimentos vedados pelas Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 6 . Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no AREsp: 1286812 SP 2018/0101380-9, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 10/12/2018, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/12/2018)

3 AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL. LEILÃO. NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. Agravo de instrumento interposto da decisão que indeferiu o pedido de suspensão do leilão e determinou o prosseguimento do feito. Reforma da decisão que se impõe. Em se tratando de alienação fiduciária de imóvel, dispõe a Lei n . 9514/97 ser necessária a intimação pessoal do devedor fiduciante para purgar a mora, o que não ocorreu. Igualmente, pacífica a jurisprudência no sentindo de necessidade de intimação pessoal do devedor acerca dos leilões. Agravada que sustenta a validade da intimação apenas por meio eletrônico. Nulidade devidamente reconhecida . RECURSO PROVIDO. (TJ-RJ - AI: 00629391120238190000 202300288004, Relator.: Des(a). DENISE NICOLL SIMÕES, Data de Julgamento: 07/11/2023, QUARTA CAMARA DE DIREITO PRIVADO (ANTIGA 5ª CÂMARA, Data de Publicação: 09/11/2023)

Fonte: Migalhas

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