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Artigo - Marco Legal das Garantias: menos processos judiciais, mais eficiência - Por Daniel Borin

Publicado em 07/08/2025
Notícia Quase dois anos após a sanção da Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, o mercado começa a sentir, de forma concreta, seus efeitos transformadores. A virada decisiva veio com o julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE 1.432.027 (Tema 1.232 da Repercussão Geral), que reconheceu a constitucionalidade da busca e apreensão extrajudicial de bens móveis — especialmente veículos — dados em garantia por meio de alienação fiduciária.

E o que isso significa, na prática? Significa que, em casos de inadimplência, o credor não precisa mais entrar com um processo judicial para retomar o bem. Antes, era necessário ajuizar uma ação, obter um despacho de um juiz e aguardar que um oficial de justiça localizasse e apreendesse o veículo. Agora, todo o procedimento pode ser feito de forma extrajudicial, diretamente via cartório, com base na previsão do artigo 66-B da Lei nº 4.728/1965, incluído pelo novo marco.

Esse modelo é muito semelhante ao que já ocorre no mercado imobiliário com a alienação fiduciária de imóveis. Quando o devedor de um financiamento imobiliário deixa de pagar, o credor envia uma notificação via cartório de registro de imóveis — e, se a dívida não for quitada, pode consolidar a propriedade e levar o imóvel a leilão, sem precisar acionar o Judiciário. Mais ágil e menos custoso, esse procedimento explica o motivo pelos quais os contratos com alienação fiduciária tornaram-se padrão no setor imobiliário — e agora devem se expandir com força para o financiamento de veículos.

A mudança é estrutural. Em vez de recorrer ao Judiciário — com petições, custas processuais e longos prazos —, o credor agora pode retomar o bem por meio do cartório de registro de títulos e documentos. A notificação é enviada ao devedor inadimplente e, esgotado o prazo legal, o credor consolida a propriedade e solicita a busca e apreensão do bem.

Com isso, o Brasil dá um passo decisivo para corrigir uma distorção histórica: segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), atualmente, os bancos recuperam, em média, apenas 18% das garantias em caso de inadimplência. Em mercados emergentes, essa média gira em torno de 43%. A retomada extrajudicial tem potencial para aproximar o país desse padrão internacional, tornando o crédito mais racional e acessível.

Outro dado da Febraban reforça a importância da mudança: cerca de 57% do spread bancário no Brasil decorre do risco de inadimplência. Ou seja, quanto mais difícil for recuperar um bem, mais oneroso será o crédito para o consumidor. Ao permitir a retomada extrajudicial, o marco reduz esse risco sistêmico — e pode, inclusive, estimular a oferta de financiamentos com juros mais baixos para contratos com garantia real.

Mudança profunda

No setor automotivo, os efeitos devem ser imediatos. A previsibilidade jurídica trazida pela legislação deve gerar um aumento significativo no número de contratos de financiamento com alienação fiduciária. E mais: em um primeiro momento, é esperado um aumento expressivo nas apreensões de veículos, mas isso tende a se estabilizar. Em médio prazo, o mecanismo servirá como estímulo à adimplência: o consumidor saberá que, se deixar de pagar, a retomada do bem será rápida e inevitável.

Para os escritórios de advocacia especializados em crédito, a mudança é estratégica. A atuação se desloca da litigância tradicional para a estruturação preventiva de garantias, gestão extrajudicial de inadimplência e recuperação de ativos com agilidade. Menos processos judiciais, mais eficiência.

O Marco Legal das Garantias não é apenas uma inovação técnica. É uma mudança profunda na lógica da concessão e da recuperação do crédito. Se bem aplicada, pode resultar em um novo patamar de segurança jurídica, menor judicialização, mais crédito e mais equilíbrio nas relações contratuais no Brasil.

Fonte: Conjur