A garantia fiduciária protege o credor, mas sua exclusão da recuperação judicial deve se limitar aos bens dados em garantia, não ao crédito em si.
A garantia fiduciária é regulada pela lei 9.514/1997 e constitui um dos mecanismos mais eficazes e seguros para assegurar o cumprimento de obrigações financeiras, uma vez que o credor fiduciário detém a propriedade do bem ou do direito creditório até a integral satisfação da obrigação garantida. Essa propriedade é condicional e resolúvel, ou seja, está sujeita à extinção caso a dívida seja quitada e enquanto a dívida persistir, o credor fiduciário tem o direito de reter o bem ou o crédito, podendo executá-lo em caso de inadimplemento.
Isso porque, a garantia fiduciária consiste na transferência da propriedade do bem móvel ou imóvel pelo devedor ao credor como garantia ao pagamento de uma obrigação, com a condição resolutiva de que, uma vez quitada a dívida, a propriedade retorna ao devedor. Já a cessão fiduciária envolve a transferência de bens ou direitos ao credor, como garantia de uma operação financeira.
A propriedade do credor fiduciário é condicional e resolúvel, ou seja, está sujeita à extinção caso a dívida seja quitada e enquanto a dívida persistir, o credor fiduciário tem o direito de reter o bem ou o crédito, podendo executá-lo em caso de inadimplemento.
No âmbito da Recuperação Judicial, a garantia fiduciária assume um papel singular, especialmente porque o art. 49, §3º da lei 11.101/05 dispõe que o credor proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial.
Logo, ante a propriedade fiduciária do Credor sobre os bens ou direitos fiduciariamente alienados ou cedidos, que não integram o patrimônio do devedor, estes credores não estarão sujeitos ao concurso de credores.
Essa exclusão reflete a natureza especial da garantia fiduciária, que visa assegurar ao credor uma posição de preferência em relação aos demais credores. De forma que, o credor fiduciário mantém seu direito de propriedade sobre a garantia, podendo executá-la independentemente do processo de recuperação, quando não se tratar de bem essencial às atividades do devedor, conforme exceção prevista no próprio §3º, art. 49 da lei.
Contudo, embora o credor fiduciário seja amplamente beneficiado em detrimento dos demais credores, o que acontece quando o Credor opta por não executar a garantia? Ou não obtém êxito na execução de sua garantia fiduciária?
Nessas hipóteses, o Credor poderá, a seu bel prazer, executar quaisquer bens ou valores do devedor?
É justo o Credor permanecer em posição de privilégio quando buscar o pagamento de seu crédito junto ao devedor de outras formas, perseguindo dinheiro em contas bancárias ou outros bens que não são objeto de sua propriedade fiduciária?
Por tais questionamentos, a prerrogativa de exclusão da garantia fiduciária do procedimento recuperacional não pode impedir que o crédito por ela garantido seja sujeito à recuperação judicial, caso o credor não opte por não executar a garantia ou não obtenha êxito em sua execução e busque a satisfação de seu crédito por outros meios.
Desta forma, quando o credor perseguir o devedor em recuperação judicial por outros bens ou valores sem se valer de sua garantia fiduciária, o credor deve se submeter ao regime do processo recuperacional.
Um dos exemplos recorrentes de credores que executam o devedor ao invés da garantia fiduciária, são os casos de cessão fiduciária de recebíveis ou direitos creditórios. Nesse modelo, o devedor cedeu ao credor direitos creditórios futuros como forma de garantia da dívida, porém, a cessão fiduciária não implica na transmissão definitiva da responsabilidade pelo pagamento aos terceiros devedores dos recebíveis cedidos, o que reforça a tese de sujeição dos créditos ao regime.
Nada mais justo pois a exclusão da garantia fiduciária da recuperação judicial reforça o próprio conceito da garantia fiduciária, cuja essência reside na proteção da propriedade fiduciária como um direito imutável e intocável, uma vez que por sua natureza, a garantia fiduciária assegura ao credor a propriedade do bem ou direito alienado até a integral satisfação da obrigação, conferindo-lhe segurança jurídica e prioridade em relação aos demais credores.
De modo que, quando o credor buscar satisfazer seu crédito por meio de outros bens ou valores que não integram sua propriedade fiduciária, é justo e coerente que esse crédito se submeta ao regime da recuperação judicial.
Essa distinção não apenas respeita a autonomia da vontade do credor, mas também harmoniza os interesses das partes, garantindo que a garantia fiduciária mantenha sua finalidade protetiva devidamente não abrangida pela recuperação judicial, sem descaracterizar o processo de recuperação judicial como um mecanismo de equilíbrio entre credores e devedores.
Em conclusão, apesar da garantia fiduciária permanecer fora do alcance da recuperação judicial, fato incontroverso pela vasta jurisprudência sobre o tema, o crédito garantido pela garantia fiduciária pode estar sujeito ao processo caso o credor não utilize de sua garantia fiduciária para quitação da dívida, almejando a execução de outros bens e/ou valores do devedor para satisfação de seu crédito. Assim, a proteção conferida pelo art. 49, §3º, está restrita aos bens e direitos objeto da propriedade fiduciária e não ao crédito em si, que deve permanecer vinculado ao regime da recuperação judicial conforme a opção de execução do crédito que será adotada pelo credor.
Fonte: Migalhas
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