Uma das várias discussões a respeito do contrato de venda com garantia de alienação fiduciária é sobre o momento do registro do contrato. O REsp. 2.176.078 - SP traz luz sobre a questão.
Trata-se de decisão proferida em 29/10/24 pelo ministro relator Marco Buzzi do STJ, nos autos do REsp 2176078 - SP. O caso tem particularidades que o tornam intrigante e digno de um estudo pormenorizado, além de revelar várias conclusões que direcionarão o futuro dos contratos garantidos por alienação fiduciária.
Para melhor entendimento da importância e extensão dos efeitos da decisão, vale contextualizar os leitores sobre o caso:
A ação de origem fora proposta pelo comprador de um lote em face da loteadora vendedora do mesmo. O contrato fora garantido fiduciariamente. Alegando desinteresse na manutenção do negócio, ingressou judicialmente pedindo o distrato e restituição de 90% do total pago. Sustentou inaplicabilidade da lei 9.514/97, uma vez que o instrumento não havia sido registrado na matrícula do imóvel e não havia inadimplência, constituição em mora, tampouco consolidação da propriedade.
Antes mesmo da citação, o feito fora sentenciado, liminarmente, julgando-se improcedentes os pedidos. O juízo afirmou a impossibilidade do distrato em face da garantia por alienação fiduciária, que possui procedimento próprio impedindo a simples rescisão. A decisão fora fundamentada no Tema 1095 do STJ e no Tema 982 do STF.
A parte autora interpôs apelação, pleiteando a nulidade da sentença por força das normas consumeristas e inaplicabilidade da lei 9.514/97. Em acórdão proferido pela 1ª Câmara de Direito Privado (processo 1001480-24.2023.8.26.0120) fora dado provimento ao recurso. Entenderam, os desembargadores, que a garantia não fora aperfeiçoada ou, melhor, a propriedade fiduciária não fora constituída pelo registro (extemporâneo1). Dessa forma, afastaram a lei de alienação fiduciária, privilegiando as normas consumeristas a favor da rescisão.
Em sede de embargos de declaração a loteadora sustentou que o registro do contrato, garantido fiduciariamente, fora feito antes da citação e intimação da sentença. Fora esclarecido que quando da publicação da sentença a parte ré ainda sequer tinha sido citada, de forma que tal data não deveria servir de parâmetro para conferir ou não aplicabilidade à lei 9.514/97. Os embargos foram rejeitados e a discussão passou para análise do STJ.
O REsp fora palco para a seguinte questão:
" Há um prazo legal para o contrato garantido por alienação fiduciária ser registrado na matrícula do imóvel, para que a Lei nº 9.514/97 tenha aplicabilidade? "
Passemos às conclusões do STJ ao dar provimento ao REsp 2176078 - SP (2024/0387313-1):
Com o julgado acima a resposta ao questionamento central do recurso fora esclarecida com a seguinte assertiva:
A falta de registro do contrato garantido fiduciariamente, ou mesmo aquele feito no curso do processo, não impede que a lei 9.514/97 seja aplicada em caso de quebra contratual. Vale pontuar que o desejo de distrato, ainda que sem qualquer inadimplência, submete o fiduciante ao procedimento específico estabelecido nos arts. 26 e 27 da lei 9.514/97. Ou seja, o bem será alienado mediante leilão, para que o fiduciante receba o que sobejar.
A aplicação do art. 53 do CDC fora afastada por completo, esclarecendo-se que uma vez pactuado e garantido pela alienação fiduciária, o contrato será sempre regulado pela lei 9.514/97. Ainda, fora esclarecido que o registro apresenta validade em face de terceiros e faz-se essencial quando da alienação do bem mediante leilão.
A decisão conferiu maior clareza à Lei nº 9.514/97, ao afirmar que não há prazo estipulado para registro do contrato na matrícula do imóvel, não havendo empecilhos para reconhecer-se a aplicabilidade do procedimento especializado, mesmo quando o registro acontecer no curso do processo e não houver inadimplência.
O julgamento representa uma resposta aos inúmeros casos de fiduciantes desejando a rescisão contratual de instrumento garantido por alienação fiduciária, mesmo antes de tornarem-se inadimplentes. Muitas decisões consideram impossível o término do contrato pela Lei nº 9.514/97 se os pagamentos estão em dia e não há constituição em mora. Tais posicionamentos precisarão ser revistos.
Ainda, há um conflito evidente entre os Tribunais e juízos de primeiro grau, vendo-se decisões nas mais diferentes direções em relação a data de registro do contrato na matrícula do imóvel, como se isso fosse decisivo para a escolha da legislação a ser seguida.
Com o julgado ora estudado, foram esclarecidas as seguintes questões: sem registro, ou com o mesmo feito de forma extemporânea e sem inadimplência, não há espaço para resolver-se o contrato por meio diverso daquele contratualmente previsto. Ainda assim, a Lei nº 9.514/97 se sobrepõe ao CDC.
Dessa forma, afasta-se qualquer possibilidade de enfraquecimento da Lei nº 9.514/97, ou até mesmo sua mitigação. Uma vez realizado o contrato com garantia fiduciária, será pelos seus próprios meios que será resolvido.
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1 Registro do contrato realizado 8 anos após sua assinatura.
2 REsp n. 2.042.232/RN, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/8/2023, DJe de 24/8/2023.
Fonte: Migalhas
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