A LRP - Lei de Registros Públicos, ao tratar da usucapião extrajudicial, disciplina o procedimento quando há impugnação ao pedido. A redação original, dada pela lei 13.105/15, determinava que, havendo impugnação, o registrador de imóveis deveria remeter os autos ao juízo competente, pois a partir de então o procedimento deveria ser obrigatoriamente judicial, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.
O legislador, no entanto, entendeu que somente a impugnação "justificada" poderia afastar a via extrajudicial. De fato, a nova redação decorrente da lei 14.382/22 estabelece que o Oficial de Registro de Imóveis deve inadmitir a impugnação injustificada, cabendo ao interessado suscitar dúvida em face da decisão do registrador, nos termos do art. 198 da LRP.
Para facilitar a análise, abaixo se reproduz o § 10 do art. 216-A da LRP na redação original e na redação atual:
Em São Paulo, as Normas Extrajudiciais de Serviço da Corregedoria do Tribunal de Justiça já contemplavam, anteriormente à alteração na redação do § 10 do art. 216-A da LRP, a hipótese de impugnação injustificada na usucapião. Prestigiando a qualificação do registrador de imóveis e a importância do procedimento extrajudicial, as referidas normas determinam que seja julgada pelo registrador a fundamentação da impugnação, com afastamento daquela claramente impertinente ou protelatória, caso em que prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 dias.
Ainda conforme as normas de São Paulo, tendo o registrador entendido que a impugnação é injustificada, somente em caso de recurso do impugnante serão os autos remetidos ao juiz competente para julgamento de plano ou após instrução sumária, cabendo ao juiz examinar apenas a pertinência da impugnação. Cabe ao juiz decidir se o caráter da impugnação é meramente protelatório ou completamente infundado. Havendo qualquer indício de veracidade que justifique a existência de conflito de interesses, a via extrajudicial se torna prejudicada, devendo o interessado se valer da via contenciosa, sem prejuízo de utilizar-se dos elementos constantes do procedimento extrajudicial para instruir seu pedido, emendando a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. Abaixo são reproduzidas as normas de São Paulo:
420.2. Consideram-se infundadas a impugnação já examinada e refutada em casos iguais pelo juízo competente; a que o interessado se limita a dizer que a usucapião causará avanço na sua propriedade sem indicar, de forma plausível, onde e de que forma isso ocorrerá; a que não contém exposição, ainda que sumária, dos motivos da discordância manifestada; a que ventila matéria absolutamente estranha à usucapião.
420.3. Se a impugnação for infundada, o Oficial de Registro de Imóveis rejeitá-la-á de plano por meio de ato motivado, do qual constem expressamente as razões pelas quais assim a considerou, e prosseguirá no procedimento extrajudicial caso o impugnante não recorra no prazo de 10 (dez) dias. Em caso de recurso, o impugnante apresentará suas razões ao Oficial de Registro de Imóveis, que intimará o requerente para, querendo, apresentar contrarrazões no prazo de 10 (dez) dias e, em seguida, encaminhará os autos ao juízo competente.
420.4. Se a impugnação for fundamentada, depois de ouvir o requerente o Oficial de Registro de Imóveis encaminhará os autos ao juízo competente.
420.5. Em qualquer das hipóteses acima previstas, os autos da usucapião serão encaminhados ao juízo competente que, de plano ou após instrução sumária, examinará apenas a pertinência da impugnação e, em seguida, determinará o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá no procedimento extrajudicial se a impugnação for rejeitada, ou o extinguirá em cumprimento da decisão do juízo que acolheu a impugnação e remeteu os interessados às vias ordinárias, cancelando-se a prenotação.
A 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, em maio de 2023, em dúvida suscitada pelo Oficial do 11º Registro de Imóveis da Capital, ratificou a decisão do Oficial, rejeitando as impugnações e o recurso apresentados, autorizando que o procedimento extrajudicial pudesse ter regular prosseguimento. Abaixo se reproduz, em parte, a referida decisão:
No caso em tela, ambas as impugnações são no sentido de que S. M. é a proprietária, a qual exerce posse mansa e pacífica sobre o bem desde que o recebeu por sucessão.
Entretanto, não vieram acompanhadas de qualquer evidência neste sentido.
Note-se que não se comprovou nem ao menos a alegação de que o imóvel está alugado, o que seria bastante simples mediante apresentação de contrato e recibos de aluguel, ou de que são os proprietários os responsáveis pelo pagamento dos tributos incidentes sobre ele, o que poderia se dar pela apresentação dos comprovantes de quitação.
Já a parte suscitada demonstrou, por meio de ata notarial, ter assumido a posse do terreno após a aquisição de imóveis vizinhos no ano de 2008 (fls. 73/84).
Na ata em questão, há referência sobre apresentação de contas de água, luz e telefone em nome da parte interessada no período de setembro de 2008 a agosto de 2021, além do lançamento de IPTU para o ano de 2022, e sobre a constatação pelo tabelião de uso do terreno pela empresa requerente para a prática de suas atividades, inclusive com fotos.
Há que se confirmar, portanto, como infundadas as impugnações na medida em que genéricas e desprovidas de qualquer suporte probatório.
Note-se, ainda, que a parte recorrente ventila matéria estranha à usucapião, sustentando irregularidade no procedimento extrajudicial e necessidade de perícia.
De fato, o imóvel está bem identificado, não havendo qualquer dúvida quanto à sua delimitação (fls. 73/84 e 85/88). A contratação noticiada pela parte suscitada, outrossim, não se deu com os proprietários: o requerimento é claro no sentido de que, após a aquisição de imóveis vizinhos, a empresa requerente assumiu a posse da área em questão e passou a utilizá-la com animus domini (fls. 59/72), o que se confirma pelas fotos citadas (fls. 79/84).
Não bastasse isso, constata-se que não há qualquer irregularidade ou invalidade a ser reconhecida no procedimento extrajudicial, que ainda não se encerrou: alguns dos proprietários puderam ser notificados, mas outros ainda não (fls. 02/03 e 103/126); a tentativa de conciliação foi corretamente realizada entre a coproprietária que impugnou tempestivamente o pedido e a parte suscitada, sem qualquer prejuízo para qualquer dos interessados.
Diante do exposto, ratifico a decisão do Oficial, rejeitando as impugnações e o recurso apresentados, de modo que o procedimento extrajudicial possa ter regular prosseguimento.
A diferença entre as normas de São Paulo e o que veio estabelecer a nova redação do art. 216-A da LRP é que, conforme a lei, no caso de o registrador decidir que a impugnação é infundada, o interessado deverá suscitar dúvida, ou seja, o caminho conforme a lei não é mais a apresentação de recurso. O restante da norma de São Paulo é aplicável à nova realidade, de modo que, no julgamento da dúvida, cabe ao juiz decidir apenas se o caráter da impugnação é meramente protelatório ou completamente infundado. Se o juiz entender que a impugnação é justificada, a via extrajudicial não mais será viável, devendo o interessado se valer da via contenciosa.
Em conclusão, mais uma vez foi determinada a desjudicialização, sendo atribuído ao registrador de imóveis que decida sobre a impugnação, desconsiderando aquela que reputar injustificada. É o que estabelece a nova redação dada pela lei 14.382/22 ao § 10 do art. 216-A da LRP. O interessado que não se conformar deverá suscitar dúvida em face da decisão do registrador, nos termos do art. 198 da LRP. O CNN/ CN/CNJ-Extra - Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça - Foro Extrajudicial e os Códigos de Normas dos Estados deverão ser atualizados para contemplar essa inovação, que prestigia a qualificação do registrador de imóveis e a importância do procedimento extrajudicial.
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1 CORREGEDORIA Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça. Provimento Nº 149 de 30/08/2023. Disponível aqui. Acesso em: 29 set. 2024.
2 TRIBUNAL de Justiça de Minas Gerais e CORREGEDORIA GERAL de Justiça de Minas Gerais. Provimento Conjunto nº 93 da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais. Disponível aqui. Acesso em: 29 set. 2024.
3 CORREGEDORIA GERAL da Justiça de São Paulo. PROVIMENTO Nº 58/89. Disponível aqui. Acesso em: 29 set. 2024.
4 MAHUAD, Luciana Carone Nucci Eugênio. Processo nº: 1032941-74.2023.8.26.0100. Disponível aqui. Acesso em 29 set. 2024.
Fonte: Migalhas
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